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É setembro. Consigo, o mês amarelo traz o que, nos demais meses do ano, evitamos falar por puro despreparo, pela crença antiga de que falar sobre suicídio desperta o desejo ou a motivação para a execução do ato. E, ok!, essa crença não é de toda errada, afinal, uma fala precipitada, que descreva formas de realizar um suicídio, por exemplo, pode, sim, incentivar a prática. Mas ao que me refiro aqui é o fato de um tema como este, tão presente nos nossos dias, ainda ser encarado como um tabu, numa espécie de acordo social: “não falaremos sobre isso, porque é delicado demaisâ€. Sim, é delicado, pois estamos falando da complexidade da subjetividade humana e, também, da tragédia que categoriza a atitude de tirar a própria vida. No entanto, é necessário que falemos sobre suicídio; é fundamental que investiguemos e compartilhemos os conhecimentos obtidos sobre esse tema, porque a falta de informação sobre isso, evidentemente, tem potencializado – ou, numa perspectiva mais otimista, não tem freado – as estatísticas diárias desse tipo de ocorrência. Falemos sobre suicídio, então!

Nessa perspectiva, falar sobre suicídio requer, de antemão, um pressuposto indispensável: suicídio é sobre a vida, e não necessariamente sobre a morte, já que o está em pauta é justamente a perda da vida e, paralelamente, o desenrolar da vida, que por vezes se dá de maneira tão tumultuada, que acarreta na opção pela morte. Assim, falar de suicídio é falar, sobretudo, da vida. “Viver é negócio perigosoâ€, disse o Guimarães Rosa, ilustrando o que discutimos aqui: a vida, louca e breve como é, nos oportuniza, ao longo da travessia perigosa dos dias, a fragmentação do suicídio, a tragédia a conta-gotas. Quantas vezes nós, enquanto travessiamos a vida, permitimos que um pouco dela se esvaia de nós? Quanto de nós mesmos nós deixamos morrer nas sinuosidades? Quanto de vida nós sacrificamos ao longo da nossa existência? O suicídio se coloca como uma opção atraente para quem sente que já morreu.

Aí, cabe a pergunta: “então quer dizer que nós nos ‘assassinamos’ aos poucos durante a vida e, quando o suicídio acontece, é porque já estamos praticamente mortos?†É quase isso. Vale dizer que não somente nós nos assassinamos, quando renunciamos a um desejo ou abrimos mão de um princípio, por exemplo, mas que também somos assassinados pelo grande outro. O suicida é vítima não só dele mesmo, mas de uma sociedade que, repetidamente, o despreza, rejeita, marginaliza e impõe os seus engessamentos, as suas normatividades. O suicida, na maioria das vezes, é morto ainda em vida, e a concretização do ato é, aos seus olhos, uma cerimônia. Para o suicida, não há mais jeito, não há mais recursos, não há mais espaço, nem tempo que possam reparar os danos que lhe foram causados, por si só e pelo mundo hostil que lhe foi apresentado. Portanto, antes de falarmos sobre a consumação do suicídio, é mais que importante que falemos sobre a vida que se leva, as dores que se sentem, as batalhas que se perdem, as coisas que se escapam.

Ainda sobre esse tema, um alerta: o suicídio não é uma consequência extrema da depressão. Pelo menos, não unicamente. O suicídio é um fenômeno atravessado por muitos fatores, de ordens muito distintas, porque somos seres distintos, somos seres múltiplos, subjetivos, que nos originamos, nos construímos e nos estabelecemos em lugares diferentes; nos apropriamos de maneira singular das coisas que nos acontecem. Aliás, as coisas que nos acontecem também são diferentes entre si. Logo, atribuir a prática suicida a um único atravessamento é um equívoco. O suicídio pode estar vinculado, por exemplo, a transtornos de ordem psicótica, a um momento de impulsividade, a uma certeza de que o que vem depois é menos difícil… Enfim, são muitas as possibilidades. Diante disso, a certeza que temos é de que o suicídio NUNCA é um ato de egoísmo, de covardia ou de qualquer outro termo pejorativo e ignorante que o senso comum, a fim de se desresponsabilizar, utiliza para adjetivar o ato.

Finalmente, chegamos à pergunta que não quer calar: “como prevenir o suicídio?â€. Para isso, a resposta, infelizmente, ainda é vaga, carente de mais profundidade, de pesquisas bem embasadas sobre a temática. O que se sabe, até então, é que a escuta disponível e atenta é o caminho mais acertado; a não negligência às ameaças; as inferências que propõem a postergação do ato; o devido acompanhamento médico e psicoterapêutico… E que falas irresponsáveis, como “Mas por que você quer fazer isso? Você tem tudo do bom e do melhor!â€, devem ser banidas do diálogo entre quem se queixa e quem ouve.

É lamentável que a saúde, em especial a Psicologia, não disponha, ainda, de um protocolo de atendimento competente, sólido, que oriente tanto o terapeuta, quanto o paciente/cliente no processo que envolve a ideação suicida. Precisamos providenciar isso o mais rapidamente possível! São vidas que se vão todos os dias sem que possamos adotar uma estratégia segura e eficaz para a contenção desses episódios. Enquanto isso, nós, psicólogos, vamos nos “virando†conforme podemos: escutamos, engajamos, nos disponibilizamos a quem encontra um fiozinho de força para procurar a nossa ajuda, seja na clínica, no ambiente virtual, no 188 (Disque Centro de Valorização da Vida – Como Vai Você?) e nos demais espaços que a Psicologia ocupa. Mas é necessário mais, muito mais, afinal, suicídio é sobre a vida.

 

Simoni Padoin – Psicóloga

Indianara Machado – Estudante de Psicologia

farmaciaitalia24.com/

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